Presente no dia a dia em diversas cores, formatos e funções, o plástico é uma invenção relativamente recente na história da humanidade. A partir de 1950, em um cenário pós-guerra marcado pela rápida industrialização, o uso se expandiu de forma sem precedentes: sacolas, garrafas, móveis, embalagens, produtos de higiene e limpeza. Esse material passou a fazer parte praticamente de todos os aspectos da vida moderna.
O avanço, porém, ocorreu sem que os impactos ambientais e para a saúde humana fossem devidamente avaliados. Décadas depois, cientistas começam a revelar as consequências desse uso massivo. Estudos detectaram partículas de microplásticos em diferentes partes do corpo humano:
- pulmão;
- placenta;
- sangue;
- leite materno;
- sêmen;
- cérebro.
Diante do aumento das evidências científicas sobre os danos causados pelos microplásticos à saúde humana, especialistas defendem que o Brasil avance em políticas para reduzir a produção e o consumo de plásticos descartáveis.
Segundo Lara Iwanicki, diretora de Estratégia e Advocacy da organização Oceana, “o Brasil é hoje o oitavo maior poluidor por plástico do mundo, descartando 1,3 milhão de toneladas desse resíduo nos oceanos, causando diversos impactos ambientais, sociais, econômicos e para nossa saúde, e não possui nenhuma legislação para enfrentar esse problema.”
Medidas necessárias
O Projeto de Lei (PL) 2524/2022, conhecido como “PL do Oceano Sem Plástico”, é apontado pela diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde, Paula Johns, como “um passo inicial fundamental”. “A conexão entre saúde e meio ambiente é inseparável. Para termos saúde, o meio ambiente precisa estar saudável, e vice-versa”, destaca.
A proposta, que define diretrizes para uma Economia Circular do Plástico no país, está parada há mais de 600 dias na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, sob a relatoria do senador e médico Otto Alencar (PSD-BA).
Johns ressalta que o maior obstáculo “não é a falta de evidências, mas sim o lobby da indústria” nos debates de saúde pública. “Nenhuma lei foi fácil de ser aprovada”, recorda, citando a experiência no controle do tabagismo.
O Projeto de Lei está alinhado com práticas discutidas no Tratado Global Contra a Poluição Plástica, como a eliminação de descartáveis e a adoção de sistemas de reutilização e refil. De acordo com o relatório da ONG estadunidense Center for Climate Integrity, apenas 9% do plástico produzido mundialmente é reciclado. No Brasil, esse número cai para 1,3%. “Até o PET depende de matéria-prima virgem; o ideal é que voltemos a utilizar sistemas de reutilização. É necessário mudar a lógica do descartável”, afirma Johns.
“Antes, quando você consumia um refrigerante, devolvia a garrafa; as reutilizáveis eram lavadas e usadas novamente. Isso foi substituído por descartáveis, que são mais lucrativos para a indústria, mas ambientalmente insustentáveis”, explica.
A professora e pesquisadora Thais Mauad, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e responsável pela identificação de microplásticos no pulmão e cérebro, destaca que é preciso abolir produtos descartáveis.
“Não faz sentido extrair petróleo para fabricar um copo usado por cinco segundos que permanece por 500 anos na natureza”, afirma. Ela ressalta que a reciclagem não acompanha a magnitude do problema: “o plástico não é como o vidro, que pode ser reciclado infinitamente. Ele só passa por duas ou três reutilizações antes de perder qualidade.”
Para as especialistas, sem mudanças estruturais na produção e no consumo de plástico, o país continuará enfrentando impactos ambientais e à saúde pública. Segundo Mauad e Johns, a transição para uma economia circular e a eliminação dos descartáveis dependem não só de leis, mas também do engajamento da sociedade e compromisso político. “Enquanto o mercado estiver saturado de plástico, não há reciclagem que resolva”, resume Mauad. “Sem pressão social e regulação, a indústria não se modifica.”
Pesquisas detectam microplástico em vários órgãos do corpo humano
A pesquisa de Mauad, do Departamento de Patologia da FMUSP em parceria com o Dr. Luis Fernando Amato-Lourenço, identificou fibras e partículas de microplásticos no bulbo olfatório, região do sistema nervoso central responsável pelo processamento dos odores. O polipropileno, comum em roupas e embalagens, foi o tipo mais encontrado.
Fragmentado em micropartículas, o plástico penetra no organismo principalmente por duas vias: a inalatória, por partículas suspensas no ar, e a ingestão, devido à contaminação da água e alimentos. Segundo estudo de cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, o consumo anual de microplásticos por pessoa varia entre 74 mil e 121 mil partículas.
Mauad explica que essas substâncias podem alcançar o cérebro por diferentes mecanismos. O primeiro está ligado ao olfato. “Quando sentimos cheiros, usamos células olfatórias no nariz que se conectam diretamente à base do cérebro, no bulbo olfatório”, esclarece. Essa conexão direta cria uma rota pela qual as micropartículas podem atingir estruturas cerebrais, fenômeno já observado com outros poluentes atmosféricos.
A entrada dessas partículas pelas vias olfativas é considerada alarmante pela capacidade de serem absorvidas pelas células e afetarem o metabolismo, especialmente em crianças. “Elas têm órgãos em desenvolvimento, e doses pequenas de certas substâncias podem causar efeitos muito mais graves do que em adultos”, comenta Mauad.
A segunda possibilidade envolve a barreira hematoencefálica, que protege o sistema nervoso central. Estudos em animais que ingeriram micro e nanoplásticos indicam que essas partículas podem danificar essa barreira e atravessá-la. “Não se pode descartar que a entrada também ocorra pela via sanguínea. Se essas partículas lesionam a barreira, conseguem alcançar o interior do cérebro”, destaca a pesquisadora.
Mauad relata que os efeitos observados incluem mudanças de comportamento, distúrbios no desenvolvimento e processos inflamatórios. Segundo ela, as partículas podem causar dano celular associado a doenças como câncer. “O plástico causa estresse oxidativo, que gera proteínas inflamatórias e pode provocar danos ao DNA, sugerindo um possível vínculo entre microplásticos e processos carcinogênicos”, explica.
Os impactos do plástico também são observados no sistema cardiovascular. Pesquisa realizada por cientistas em Nápoles encontrou microplásticos em placas de gordura retiradas de pacientes com doenças arteriais: mais da metade das amostras continha partículas de polietileno ou PVC.
Entre os pacientes contaminados, o risco de acidente vascular cerebral, infarto ou morte por qualquer causa foi quase cinco vezes maior no acompanhamento de 34 meses. Embora o estudo não estabeleça causalidade direta, evidências de testes com animais e células humanas reforçam a hipótese de que essas partículas podem agravar doenças cardiovasculares.
Aditivos químicos
Originado de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural, o plástico contém diversas substâncias adicionais. Segundo estudo da Oceana, cerca de 4% do peso dos fragmentos de plástico são aditivos químicos, que podem ser orgânicos ou inorgânicos.
A composição reúne polímeros – como polipropileno, polietileno e poliamida – que incorporam esses materiais que conferem características como cor, maleabilidade, resistência e transparência.
Segundo levantamento do PlastChem (2024), aproximadamente 16 mil aditivos químicos são usados na fabricação do plástico. Desse total, cerca de 4,2 mil são classificados como preocupantes por sua persistência, bioacumulação, alto potencial de dispersão ou toxicidade.
Mauad destaca que o aquecimento do plástico libera essas substâncias. “No micro-ondas, o calor desprende os aditivos, permitindo que migrem para os alimentos. Em máquinas de lavar louça, altas temperaturas geram efeito semelhante”, comenta.
A pesquisadora afirma que evidências científicas mostram consistentemente a associação entre essa exposição e efeitos adversos à saúde. Ela observa que muitos aditivos atuam como disruptores endócrinos. “Eles podem afetar o desenvolvimento de órgãos, alterar a tireoide, aumentar riscos de câncer de mama, entre outros impactos”, reforça.
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