Luan Carvalho fala sobre as dificuldades para interpretar Gal, a “primeira-dama” do Tremembé

Luan Carvalho fala sobre as dificuldades para interpretar Gal, a "primeira-dama" do Tremembé

Tremembé teve a missão de retratar a rotina dos presos na penitenciária mais célebre do país. Personagens já conhecidos do grande público aparecem: Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, os irmãos Cravinhos, o ex-médico Roger Abdelmassih e o casal Nardoni. Eles são os protagonistas, com crimes que chocaram o Brasil, mas alguns coadjuvantes também se destacaram em diversos momentos.

Luan Carvalho interpretou Gal, uma personagem de grande presença por sua relação com Terremoto, o líder da ala masculina do presídio. Ela se impõe de imediato: um homem negro, gordo e gay, traços que raramente ganham destaque em séries populares, especialmente em posições de poder. Em Tremembé, contudo, Gal não se acanha e chega impondo respeito, além de protagonizar um dos momentos mais vulneráveis de toda a produção.

A história ganha mais camadas ao sabermos que a personagem foi inspirada em um detento chamado Tieta. O Minha Série conversou com o ator para entender os desafios de dar vida a alguém tão marcante — para o bem e para o mal.

Leia a entrevista completa com Luan Carvalho, a Gal de Tremembé

Minha Série: Obrigada pelo seu tempo, Luan! É ainda mais especial saber que sua agenda está tão cheia.

Luan Carvalho: Tá uma loucura, né? A série estourou. Acho que a galera da Amazon já esperava, mas eu e os outros atores não. A repercussão foi grande. As pessoas já nos abordam na rua e temos muitos compromissos. Está sendo muito legal, a semana tem sido bem corrida.

Minha Série: Nossa! E já estão te reconhecendo nas ruas?

Luan Carvalho: Vim do teatro musical desde criança, então já tinha algum reconhecimento nesse meio — é um universo mais fechado. Mas agora está rompendo essa bolha: chegam pessoas de perfis bem diferentes. Antes eram mais jovens fãs de musical; agora até senhoras e homens héteros vêm falar comigo, o que é incomum. Está sendo curioso ver esse alcance maior.

Minha Série: Você comentou que o caso real envolve um detento chamado Tieta. Como foi o processo de preparação para interpretar a Gal?

Luan Carvalho: Foi uma preparação intensa. Conversamos com um regresso — alguém que já ficou preso e hoje está livre. Ele teve contato com nomes como Nardoni, os Cravinhos e a Tieta, que formava casal com o Terremoto. No presídio, eles eram os “bambambãs”, porque o Terremoto comandava tudo. A Tieta funcionava como primeira-dama, respeitada por todos.

Acredito que sua postura também era uma maneira de proteção, por ser um homem gay, afeminado, negro e da periferia. Na cadeia, essas características tornam alguém vulnerável, então assumir poder foi uma forma de se resguardar.

Fala-se bastante dela no livro Tremembé, de Assis Filó. Em outras obras há poucas menções, por isso nossa preparação veio muito das conversas com o Ulisses, que conhece profundamente os crimes de São Paulo. Ele descreveu quem era a Tieta e como era a dinâmica interna. Tive que construir quase tudo do zero, já que há poucos relatos públicos — o livro foi proibido e é raro encontrar exemplares — então buscamos informações em depoimentos e no que li no material disponível.

Minha Série: E como foi conhecer essa pessoa por meio desses relatos?

Luan Carvalho: Não me cabe julgá-la. O papel do ator é defender e compreender o personagem. Dentro daquele contexto, talvez fosse o que ela podia fazer para sobreviver. Conhecemos como funciona a homofobia no Brasil — em lares, periferias e ambientes religiosos — então é difícil mensurar até que ponto ela precisou ir para se proteger.

Minha Série: Falamos com outros atores, como Bianca Comparato e Lucas Oradovschi, e também com Ulysses e Vera. Parece um desafio encontrar um equilíbrio ao interpretar alguém que cometeu um crime sem deixar de humanizá-lo. Como você vê isso?

Luan Carvalho: Exato. A cadeia existe para cumprir a pena imposta pelo Estado. Depois vem a ressocialização, quando a pessoa tenta voltar à vida em sociedade.

Há todo um histórico pessoal e preconceitos ligados a quem comete crimes, mas, ainda assim, são seres humanos. Ao estudar os casos, entendemos que qualquer pessoa pode, em determinadas circunstâncias, cometer um crime assim — por ímpeto, em autodefesa ou por uma explosão de adrenalina. O crime pode ser explicado, sem, contudo, ser justificado.

Minha Série: Você tem cenas bastante impactantes e expostas. Qual foi a mais desafiadora durante as gravações?

Com certeza a do episódio 4, a cena no banheiro com o Terremoto — a cena de nudez. Tivemos vários encontros de preparação. A Larissa e o Marcelo, nossos preparadores de intimidade, foram fundamentais e sempre cuidaram muito da nossa segurança.

O Miguel Nader, meu parceiro de cena, foi incrível e sempre aberto ao diálogo. Discutimos bastante o que queríamos transmitir e como manter a unidade da cena, já que ambos nos expomos muito.

Me senti privilegiado de participar desse projeto com esse cuidado todo, ainda mais por ser o único escolhido para uma cena de nudez na série. Foi uma honra.

Pensei: “Beleza, vamos fazer isso”. Fiquei ansioso e feliz — foi uma das últimas cenas que gravei. A equipe e a produção foram extremamente cuidadosas; o set foi reduzido (normalmente seriam 40 a 50 pessoas, naquele dia só umas 10). Isso me protegeu. Acho que minha trajetória me preparou: fiz uma peça em 2021, Naked Boy Singing, em que atuava completamente nu, o que me ajudou a dissipar tabus sobre nudez. Aprendi muito sobre meu corpo e minha relação como performer, entregando-me à narrativa sem julgamentos.

Corpos como o meu — homem, negro, gay, afeminado, gordo — costumam ser alvos de ataques. Naquele espetáculo senti acolhimento, e isso me deu segurança para a cena da série — que ficou belíssima. Estou muito satisfeito com minha atuação, com a do Miguel, e com a direção do Daniel, que coreografou a sequência.

Minha Série: É uma cena que expõe muita vulnerabilidade da personagem, certo?

Luan Carvalho: Sim. Apesar de ter cometido crimes, a personagem também tem traços cômicos e foi construída batendo de frente com os outros para, em seguida, revelar um momento em que se encontra nas mãos do parceiro. Isso acontece com qualquer pessoa apaixonada: acabamos ficando vulneráveis. Gostei de mostrar os altos e baixos da personagem.

Minha Série: E quanto a você — esse trabalho te transformou pessoal ou profissionalmente?

Luan Carvalho: Mudou bastante. Tenho 24 anos e comecei no audiovisual aos 20, acostumado a papéis infantis e infantojuvenis, interpretando personagens de 15 ou 16 anos. Esse foi meu primeiro projeto como adulto.

Ao ler a personagem, percebi que era um passo natural na carreira: deixar o universo infantojuvenil e assumir personagens adultos. Isso traz um público diferente, feedbacks diferentes e uma abordagem distinta. Estava ciente disso desde o início.

Tremembé se tornou um marco. Desde 2016 é o produto mais visto da Amazon Prime; em quase uma década de plataforma, é a série com maior audiência. Para mim é um choque. Sinto que faço parte de algo grande. O projeto é muito importante e deve agregar valor à minha trajetória.

Minha Série: Um debate recorrente sobre produções de true crime é a transformação de histórias reais em conteúdo audiovisual. Qual sua opinião sobre isso?

Luan Carvalho: Acho fundamental contar essas histórias — não para celebrá-las, mas para analisar o que aconteceu: por quê, como e quando. Como disse, todos somos capazes de atos extremos em certas circunstâncias.

É importante registrar esses episódios para que a sociedade reflita sobre limites e consequências. O true crime cresce no Brasil e no mundo; há exemplos internacionais de grande repercussão, como a série sobre os irmãos Menéndez.

Vejo Tremembé como um divisor de águas para o audiovisual brasileiro. O país não costuma discutir essas temáticas abertamente. No caso da minha personagem, precisamos falar sobre o quanto pessoas LGBT sofrem — o Brasil é um dos países que mais mata essa população, e ao mesmo tempo é muito miscigenado e racista. Por que não mostramos as histórias e o sofrimento dessas pessoas?

A Gal cometeu um crime, sim, mas também sofreu muito para estar naquela situação. É importante colocar uma lente sobre o humano, humanizar sem relativizar os fatos, estudar e entender. Esses são crimes documentados, há registros judiciais públicos. Nós apenas estamos olhando mais de perto o que aconteceu.

Minha Série: Monstros de verdade não existem; são sempre pessoas com motivações complexas. A Gal é uma personagem cuja história vale a pena conhecer. Ela, apesar de ser minoria na sociedade, tinha grande poder dentro do Tremembé.

Luan Carvalho: Isso até a protegia dentro daquele ambiente. Curiosamente, a prisão era o lugar onde ela se sentia mais segura. Com poder, usava persuasão para controlar os outros. Fora dali, poderia ser morta em poucos dias — algo que acontece com pessoas LGBT no Brasil.

Há relações afetivas bonitas dentro do enredo, como a entre Cristian Cravinho e Luca. Por que a Luca se entrega tanto a ele? Porque se sente vista e acolhida, talvez por nunca ter experimentado isso fora. É curioso pensar que esse afeto se encontra dentro da prisão. Mostra como pessoas marginalizadas fora acabam procurando segurança em relacionamentos que, mesmo sendo tóxicos, oferecem algum tipo de pertencimento.

É curioso ver também as contradições: alguns negam histórias publicamente, depois surgem depoimentos que revelam a verdade. Mesmo em relações amorosas na prisão, muitos não querem que o mundo saiba. E, pensando bem, para alguém que cometeu assassinato, usar roupa íntima feminina é o menor dos problemas — isso revela muita coisa sobre noções de masculinidade.

Minha Série: E quais são seus próximos projetos, Luan?

Luan Carvalho: Continuo muito ligado ao teatro musical. Tremembé veio graças ao meu trabalho em Priscilla, Rainha do Deserto, onde fazia uma drag queen. A Ana Luiza, diretora de elenco, me viu, gostou e me chamou para o teste — e deu certo. O teatro musical abriu a porta para o audiovisual na minha carreira.

Atualmente faço Titanic no Teatro Frei Caneca, aos sábados e domingos. É um grande elenco: Marcos Veras, Alessandra Maestrini, Luiz Lobianco, Jorge Salma e Juliana Drusi. A peça é uma paródia de Titanic contada pelo ponto de vista da Céline Dion, com músicas dela e muito improviso cômico — e a Alessandra é uma genialidade da comédia. O espetáculo tem feito sucesso e lota as sessões. Ficamos em cartaz até 14 de dezembro, aos fins de semana, no Frei Caneca.

A série completa sobre o presídio das celebridades já está disponível no Prime Video. Já assistiu? Comente nas redes do Minha Série! Estamos no Threads, Instagram, TikTok e também no WhatsApp. Venha acompanhar filmes e séries com a gente!
 

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