Disponível na Netflix, o filme A Mula (2018), dirigido e protagonizado por Clint Eastwood, chamou a atenção ao mostrar um idoso aparentemente comum que acaba se tornando um dos mais improváveis traficantes da história dos Estados Unidos.
Mesmo contendo elementos de ficção, a trama é baseada em fatos reais e se inspira na trajetória de Leo Sharp, um veterano e horticultor que, já na velhice, passou a colaborar com o cartel de Sinaloa.
Mais do que uma anedota criminal, a história de Sharp evidencia como alguém que levou duas vidas distintas — a de um premiado cultivador de flores e a de um transportador de drogas — acabou envolvido em uma rede de crime internacional.
História real que inspirou o filme A Mula
A Mula: de herói de guerra a mestre da horticultura
Leo Sharp nasceu em 1924 e serviu como soldado durante a Segunda Guerra Mundial. Ao voltar para casa, reh criou sua vida no campo e se destacou na horticultura, especialmente pelo cultivo de lírios-do-dia, flores que lhe renderam reconhecimento e respeito entre especialistas e colecionadores.
Por muitos anos, ele foi referência no ramo, construindo uma carreira legítima e cheia de prêmios.
No entanto, com o passar do tempo sua situação financeira se deteriorou. Alterações no mercado e o avanço da internet enfraqueceram seu negócio, e ele enfrentou dificuldades para preservar a propriedade que havia erguido ao longo da vida.
Foi nesse cenário de fragilidade que ocorreram os primeiros contatos com pessoas ligadas ao cartel de Sinaloa.
O recrutamento pelo cartel e a vida dupla de Leo Sharp
Já na velhice, Sharp foi recrutado para transportar drogas. No início realizou entregas pequenas, mas sua aparência inofensiva e comportamento tranquilo o tornaram ideal para passar despercebido pelas autoridades.
No cartel, recebeu o apelido de “El Tata”, uma alcunha afetuosa que contrastava com o fato de ele traficar grandes quantidades de cocaína.
Diferente do que mostra o filme A Mula, em que o personagem Earl Stone faz pouco mais de uma dezena de viagens, Leo Sharp trabalhou para o cartel por quase dez anos, realizando transportes volumosos para cidades como Detroit.
Estima-se que levava em média 250 quilos de cocaína por viagem e recebia cerca de mil dólares por quilo entregue — valores surpreendentes para alguém com mais de 80 anos.
Essa trajetória o transformou numa espécie de lenda dentro da organização, ao ponto de muitos acharem quase inacreditável que um homem tão idoso conseguisse movimentar tanto entorpecente por tanto tempo.
A queda, a prisão e o fim da vida de Leo Sharp
O desfecho ocorreu em 2011, quando Sharp foi abordado pela DEA em uma rodovia enquanto dirigia uma caminhonete Lincoln carregada de drogas. O agente que efetuou a prisão foi Jeff Moore, inspiração para o personagem interpretado por Bradley Cooper no filme.
Detido, Sharp confessou a culpa e recebeu pena de três anos de prisão, embora tenha cumprido apenas um. Seu advogado chegou a sugerir que ele quitasse a dívida cultivando papaias no Havaí para o governo, uma proposta curiosa que não prosperou.
Devido ao estado de saúde debilitado, Sharp foi libertado em 2015 e faleceu em 2016, aos 92 anos, vítima de uma doença terminal. Sua morte encerrou uma história marcada por contrastes: de um lado, um veterano e horticultor respeitado; do outro, um dos mais improváveis correios do tráfico internacional.

Ficção e realidade: o que mudou em A Mula
Embora inspirado em Leo Sharp, o filme altera vários aspectos de sua vida. Eastwood transformou o protagonista em Earl Stone, um veterano da Guerra da Coreia com conflitos familiares — um elemento que não corresponde à biografia real.
Além disso, a narrativa condensou quase uma década de tráfico em poucos meses, diminuindo parte da dimensão criminal da história verdadeira.
Tais mudanças ajudaram a moldar uma história mais dramática e emocional, centrada em arrependimento e busca por redenção, enquanto a vida real de Sharp foi mais crua e pragmática.
Mesmo assim, o cerne da história permanece: um idoso veterano, antes reconhecido por sua contribuição à horticultura, tornou-se peça-chave no esquema de um dos cartéis mais poderosos do mundo.
O filme de Clint Eastwood dramatiza esses acontecimentos com um tom mais humano, mas o legado de Sharp segue sendo um dos casos mais curiosos e polêmicos sobre a relação entre idade, aparência de inocência e crime organizado.