Países árabes e muçulmanos estão entre os principais compradores, para abate ou melhoramento genético
O Brasil está exportando mais bovinos vivos, ou gado em pé, como também se costuma chamar. É o que mostram os dados do governo federal. De janeiro a abril deste ano, dados mais recentes, o volume embarcado foi de 118,220 mil toneladas, com uma receita de US$ 286,55 milhões. No mesmo período em 2024, foram 57,370 mil toneladas para um faturamento de R$ 125,86 milhões.
Em todo o ano de 2024, os embarques somaram 365,84 mil toneladas, 84% a mais que no ano anterior, quando o total foi de 198,89 mil toneladas. A receita dos exportadores foi 69,75% superior. Passou de US$ 488,65 milhões para US$ 829,55 milhões.
Nas contas da Scot Consultoria, o volume dos primeiros quatro meses de 2025 equivale a 300,6 mil cabeças de gado. De janeiro a abril de 2024, foram 145,5 mil. Alcides Torres, diretor da empresa, avalia que as exportações estão aquecidas. E os preços médios, mais elevados. Neste ano, os valores estão em torno de R$ 360 por arroba. No ano passado, eram de R$ 300.
A expectativa é fechar 2025 com embarques de 1,5 milhão de cabeças, afirma o consultor, com base em informações de representantes do segmento. “Caso essa projeção se confirme, o volume estará entre os maiores da história, representando uma via de retorno ao produtor e uma opção adicional para a cadeia produtiva da pecuária brasileira”, diz.
O amplo domínio neste tipo de comércio é dos países árabes e muçulmanos: são os principais destinos. O líder é o Iraque, seguido por Turquia (que não é um país árabe, mas tem uma forte influência muçulmana) e Egito. Também integram a lista Líbano, Marrocos, Jordânia, Arábia Saudita, Argélia, Irã (outro país que não é árabe, mas com forte influência muçulmana) e Paquistão.
Alguns dos compradores também estão entre os líderes nas importações de carne bovina brasileira. O Egito, por exemplo, é o terceiro maior. Hong Kong é o segundo, e está em 17º no ranking dos compradores de bovinos vivos, considerando os valores de 2024.
Mohammad Mourad, secretário-geral e vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB), relaciona a situação à diversidade de clientela. Há empresas que preferem revender carne com a marca do exportador e as que preferem abater o boi e vender o produto com sua própria marca.
Mourad acrescenta que a procura pelo bovino em pé está, em parte, relacionada à produção halal, que obedece aos preceitos e tradições muçulmanas. Há todo um conjunto de regras que deve ser seguido, desde e local de origem do animal até a distribuição da carne para o consumidor.
“Quem importa o gado vivo, vê a oportunidade de agregar valor e aumentar margem no mercado de destino. E tem muito a ver com o abate halal. O importador faz o embarque e o abate conforme os preceitos”, explica o executivo.
Diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira dos Exportadores de Zebu (ABCZ), Juan Lebron reconhece que o gado em pé representa uma pequena parcela do que a pecuária bovina brasileira vende para o exterior. Entretanto, não deixa de citar alguns aspectos positivos para o país, de modo geral, e para o pecuarista, em particular.
“Se você tem uma matriz de produção única, escoada em forma de carne ou de boi vivo, cada animal que você exporta, diminui a pressão sobre o mercado interno. E acaba, em tese, melhorando os preços para o produtor”, diz Lebron.
Ele menciona como exemplo a pecuária de corte do Pará. Explica que os preços do boi gordo no Estado “descolavam” dos de outras praças de negociação do país. A exportação de gado vivo pelos portos paraenses ajudou a reduzir os diferenciais de base do animal pronto para abate.
“Pelo volume de boi vivo exportado, não tem uma condição de afetar tão fortemente o mercado, mas contribui. Porque o que sai do Brasil acaba ajudando a melhorar o preço do boi para a carne que vai ser exportada”, acrescenta.
O melhoramento genético é outro segmento em que o gado em pé do Brasil tem sua participação. Além de sêmen e embriões, bovinos vivos vão para outros países com o objetivo elevar a qualidade e produtividade dos rebanhos. Enviar o animal, evidentemente, é uma operação relativamente mais cara do que apenas o material genético, mas há quem tenha também essa preferência.
“O gado em pé, pelo custo, pela logística, talvez tenha um menor volume do que sêmen e embriões. Mas há quem busca. É um mercado complementar na genética bovina”, diz Lebron.
No fim de abril, o Ministério da Agricultura informou que a Turquia liberou a compra de bovinos vivos para reprodução no país. O mercado potencial é calculado em R$ 300 milhões. A medida amplia o acesso ao mercado turco, que já compra para abate.
“Alguns mercados que compram gado em pé para abate também compram fêmeas para repovoar ou recriar um rebanho e aumentar a produção local”, explica o executivo da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu.
Bem-estar animal
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A exportação de gado em pé, que o setor pecuário defende, sofre críticas de organizações ligadas à defesa dos animais. Em fevereiro, essa discussão teve mais capítulo na Justiça. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) decidiu que embarcar o bovino vivo para outro país não fere a legislação nem configura maus-tratos aos animais. A posição reverteu sentença de primeira instância.
O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal foi quem abriu a ação em 2023, com ganho de causa. A União entrou com recurso, o que condicionou uma eventual aplicação da sentença inicial à decisão do TRF3. A corte, no entanto, liberou o embarque de gado em pé, alegando que o tema é de competência do Poder Legislativo, não do Judiciário. A entidade informa que vai recorrer.
Juan Lebron afirma que as exigências ambientais, sanitárias e de bem-estar animal para a exportação de gado vivo estão cada vez mais rigorosas, especialmente em relação aos animais destinados a abate. “Tem toda uma agenda neste sentido que deve ser considerada. É algo que pesa em termos de imagem. Uma coisa é se a exportação é boa ou não. Outra é se vale a pena”, pontua.
Para o frigorífico Minerva, um dos principais exportadores de carne bovina do Brasil, a operação foi perdendo relevância. Nas demonstrações financeiras, o valor da venda de bovinos vivos estava na rubrica “outros”, com negócios que, juntos, somam de 2% a 3% da receita total.
No ano passado, a empresa decidiu não mais atuar no segmento. “É um negócio que tem uma volatilidade grande e, para nossa estratégia, não faz mais sentido do ponto de vista de risco/retorno”, disse, na época, o diretor de Relações com Investidores da empresa, Edson Ticle.
Por Raphael Salomão